Anatomia Pertinente

O escafóide é o osso mais radial do carpo, pertencente à primeira fileira, faz a conexão das duas fileiras de ossos do carpo. Possui cinco facetas articulares com: rádio, trapézio, trapezóide, capitato e semilunar (Figura 1).

Devido à quase totalidade de sua superfície ser coberta por cartilagem, tem um sistema peculiar para sua irrigação: é nutrido pelo ramo palmar da artéria radial, que adentra na região distal do osso pela superfície dorsal (80% do suprimento) e volar (20%, pelo tubérculo do escafóide), fazendo com que a região proximal receba aporte sanguíneo retrógrado¹.

Epidemiologia da fratura do escafóide

As fraturas do escafóide correspondem de 50 a 80% das fraturas dos ossos do carpo. Adultos jovens, do sexo masculino, em idade de trabalho são os mais acometidos.

O diagnóstico precoce e tratamento correto têm fundamental importância para se evitar complicações como a pseudartrose (não consolidação), necrose avascular (“morte” por falta de sangue) e colapso do carpo (Scaphoid nonunion advanced collapse: SNAC), que levam à artrose da articulação do punho². A incidência de pseudartrose é de aproximadamente 5-10% das fraturas do colo sem desvio tratadas conservadoramente com aparelho gessado e podem chegar a 90% das fraturas do pólo proximal com desvio³.

Mecanismo da lesão

Geralmente, resultam de trauma de baixa energia, com hiperextensão do punho, com a mão espalmada e desvio radial. Quedas ao solo e traumas durante atividades esportivas são os mais comuns. Pode também ser resultante de traumas de energia maior, como acidentes motociclísticos, automobilísticos ou queda de altura4,5.

História clínica e exame físico

O paciente, normalmente, chega ao médico relatando trauma com a mão espalmada e punho em hiperextensão, com dor na região do punho, em sua porção radial.

Pode ou não haver aumento de volume na região dorsal e radial do punho, próximo ao processo estilóide do rádio, caracterizando edema ou derrame articular. Quando houver, usualmente ocorre na parte dorsal no punho. Os pacientes que sofrem traumas que levam à fratura-luxação do punho podem chegar com instabilidade e deformidade grosseira.

À palpação, o paciente apresenta dor no tubérculo do escafóide (pouco distal à prega palmar do punho, na direção do eixo longo do polegar), na tabaqueira anatômica (entre os tendões do primeiro túnel extensor e o extensor longo do polegar, distal ao estilóide do rádio) ou imediatamente distal ao tubérculo de Lister. (Figura 2)

O paciente pode relatar dor à compressão do polegar ao rádio (pistonagem do primeiro metacarpo) também.

Exames de imagem

A radiografia é um método amplamente utilizado e presente na maioria das clínicas e pronto-socorros. Devem-se realizar 4 incidências: póstero-anterior, perfil, oblíqua em pronação de 45º e 20º de extensão do punho e póstero-anterior com desvio ulnar do punho. Algumas fraturas sem desvio do escafóide podem não ser visualizadas no primeiro exame radiográfico, sendo chamadas de fraturas ocultas do escafóide, as quais podem ser observadas em ao se repetir as radiografias após 2-3 semanas. (Figura 3)

Outros métodos têm melhor sensibilidade e especificidade para o diagnósticos dessas fraturas.

A tomografia computadorizada tem sensibilidade de 85,2% (Intervalo de Confiança –IC- 95%: 73,5-94%) e especificidade de 99,5% (IC 95%: 98,4-99,9%) para o diagnóstico das fraturas do escafóide. Contudo, podem não identificar as fraturas ocultas na fase aguda.

Já a ressonância magnética, tem sensibilidade de 97,7% (IC 95%: 94,8-99,5%) e especificidade de 99,8% (IC 95%: 99,3-100%), sendo o método mais confiável para o diagnóstico das fraturas do escafóide, principalmente as ocultas.

A cintilografia óssea tem excelente sensibilidade de 97,8% (IC 95%: 95,3-99,3%), contudo sua baixa especificidade de 93,5% (IC 95%: 91,3-95,3%) aumenta muito o risco de falsos positivos, levando ao tratamento de pacientes que não têm a fratura.

 

Diagnóstico da fratura do escafóide

O diagnóstico deve ser realizado pela história clínica, exame físico e radiográfico do paciente. No caso de se apresentar com quadro sugestivo de fratura do escafóide e exame radiográfico normal, temos 2 alternativas:

  1. Imobilizar o paciente e repetir o exame radiográfico em 2-3 semanas para avaliar a presença ou ausência de fratura, mais realizado de forma rotineira.
  2. Solicitar ressonância magnética, que deve ser realizada após 48 horas do trauma, a fim de se fazer o diagnóstico precoce.

Se levarmos em conta o custo do tempo de afastamento de trabalho do paciente, veremos que as duas opções têm prejuízo econômico parecido.

Classificação da fratura do escafóide

Para se ter prognóstico e orientar o tratamento, devemos classificar as fraturas do escafóide para saber o plano da lesão, a sua localização no osso e estabilidade.

Um dos primeiros a se preocupar com a alta incidência de pseudartrose foi Russe, que criou uma classificação que reconheceu a instabilidade das fraturas oblíquas, como se observa na figura 4

Figura 4: Classificação de Russe. HO Oblíqua Horizontal, T Transversa e VO Oblíqua Vertical. (Retirado de Taleisnik J: Nova Iorque: Churchill Livingstone, 1985)

 

Hebert e Fisher9 criaram uma classificação de acordo com a estabilidade das lesões. As fraturas do tipo A são estáveis e foram divididas em fraturas do tubérculo e fraturas incompletas. As do tipo B são instáveis e são subdivididas em distal oblíqua, fratura completa do colo, fratura do polo proximal e fratura-luxação transescafo-perilunar. O tipo C é o retardo de consolidação. O tipo D é a pseudartrose. (Figura 5)

Figura 5: Classificação alfanumérica de Herbert e Fisher.

 

Tratamento da fratura do escafóide

As fraturas da região distal do escafóide e as fraturas do tubérculo são de tratamento eminentemente conservador, com imobilização gessada. As chances de consolidação em 6-8 semanas são altíssimas. (Figura 6)

Figura 6: fratura do tubérculo do escafóide. Tipo A de Herbert.

Uma vez que as fraturas do colo do escafóide são alvo de extensa discussão na literatura médica, há meta-análises que compararam diversos trabalhos randomizados para fraturas sem desvio ou com mínimo desvio do colo do escafóide.

Ibrahim et al.10 chegaram à conclusão que o tratamento cirúrgico tem uma tendência maior a consolidação do que o tratamento com gesso, entretanto, sem diferença estatística. Alshryda et al.3 concluíram que o tratamento cirúrgico não leva a maior taxa de consolidação do que o tratamento com gesso. (Figura 7)

Há consenso, contudo, que o tratamento cirúrgico faz com que o paciente retorne mais rápido ao trabalho, contudo com maior chance de complicações, como infecção, síndrome da dor complexa regional, proeminência do material de síntese e artrose escafo-trapézio10,11. As fraturas sem desvio ou com pouco desvio tratadas conservadoramente, contudo, têm maior chance de artrose rádio-cárpica10.

Com esses dados, presentes na literatura atual, acredita-se que a melhor conduta para pacientes com fratura sem desvio ou mínimo desvio (menor do que 1mm) do colo do escafóide seja a imobilização gessada até a sua consolidação, de 6-12 semanas.

Deve-se levar em consideração a demanda e profissão do paciente que podem fazer que o melhor tratamento para ele seja o operatório, para o retorno precoce às atividades laborais. (Figura 8)

Há controvérsia, também, sobre qual é o melhor tipo de imobilização para os pacientes com fratura do escafóide. Nos trabalhos encontrados não há diferença entre imobilização acima ou abaixo do cotovelo e com ou sem bloqueio do polegar3,12,13.

 

Ao final de 12 semanas, se não houver sinais de consolidação, deve-se indicar o tratamento cirúrgico.

 

Já as fraturas com desvio igual ou maior do que 1mm têm maior chance de consolidação com o tratamento cirúrgico. Estima-se que a taxa de pseudartrose seja de 4 a 17 vezes maior nos pacientes tratados com gesso. Há ainda, uma tendência, sem significância estatística, que o tratamento com redução aberta e fixação interna seja mais vantajoso do que a fixação transcutânea retrógrada com parafuso de compressão3,14.

 

Sobre as fraturas da região proximal do escafóide, sabe-se que a taxa de pseudartrose é muito maior que a das fraturas do colo. Contudo, nas fraturas sem desvio deve-se adotar conduta idêntica e se iniciar o tratamento com gesso. Ao final de 12 semanas, se não houver sinais de consolidação em andamento, indica-se a cirurgia3,14.

 

Quanto aos pacientes que procuram cuidado médico de algumas semanas a alguns meses após a fratura, sabe-se que podem conseguir bom resultado com o tratamento não operatório, contudo a chance de pseudartrose é consideravelmente maior. Após cerca de 04 semanas, as fraturas sem desvio do colo têm taxa de não consolidação de cerca de 40% com o tratamento conservador15,16.

 

A pseudartrose do escafóide é de tratamento cirúrgico obrigatório, mesmo que o paciente esteja assintomático, dado que evoluirá com artrose do punho e colapso dos ossos do carpo, com resultado ruim a longo prazo.

 

Conclusões em relação ao tratamento da fratura do escafóide

  • O escafóide tem anatomia articular complexa e irrigação retrógrada, que atrapalham a consolidação óssea.
  • O diagnóstico das fraturas do escafóide deve-se basear nos sintomas do paciente e radiografias normais devem manter o índice de suspeição.
  • O tratamento das fraturas do pólo distal, sem desvio e com mínimo desvio deve ser feito conservadoramente.
  • Fraturas desviadas ou sem desvio tratadas por 12 semanas sem consolidação devem ser operadas.

Eu sou o Dr. Diego Falcochio, ortopedista de mão e posso te auxiliar no tratamento da fratura do escafóide. Entre em contato e agende a sua consulta!