As transferências tendíneas são realizadas para que um tendão supra a função de outro, que não está mais presente ou que não está funcionando devido à lesão do nervo que daria motricidade ao músculo ao qual pertence.
Utilizamos as transferências tendíneas para diversas alterações dos membros superiores com bons resultados finais e restauração importante da função.
Estas cirurgias podem ser realizadas em bebês, crianças, adolescentes, adultos e em idosos. Claro que esperamos resultados diferentes para estas idades, sendo os resultados menos previsíveis em crianças pequenas e, geralmente, não tão bons em idosos.
Para se realizar essas transferências de tendão, devemos observar alguns princípios, sem os quais o resultado final fica muito aquém do desejado:
1 Prevenção e correção de contraturas.
Como sempre diz o Prof. Antonio Carlos da Costa: “se o freio de mão está puxado, não adianta acelerar o motor”. Portanto, a mobilidade passiva da articulação deve estar completa. Não devem haver contraturas musculares ou limitação de mobilidade por perda cutânea ou cicatrizes.
2 Equilíbrio tissular
Os tecidos (como chamamos as diferentes partes que compõem o corpo: pele, subcutâneo, músculos, …) devem sair das fases inflamatória e cicatricial inicial, a fim de que possamos realizar as incisões e “trocar a posição” dos tendões. Isso sem incorrer no erro de causar uma inflamação ainda maior, infecção ou estimular a cicatrização desproporcional, que comprometeriam o resultado final.
3 Força adequada
Há uma graduação de força para os músculos. Grau 5 seria o normal. Grau 4 seria quase normal, vencendo certa resistência. Contudo, no grau 3 a força muscular só é suficiente para vencer a gravidade e não supera nenhuma resistência adicional.
Quando se transfere um tendão, ele perde um pouco de sua força. Portanto, devemos transferir apenas músculos que tenham força normal ou quase normal. Músculos que perderam sua inervação e a recuperaram devem ser transferidos com muita cautela e apenas se readquiriram força comparada a que tinha antes da lesão.
4 Amplitude de movimento
Tendões diferentes têm excursões diferentes. Isso quer dizer que “deslizam” um comprimento diferente. Quando transferimos um tendão que desliza 30mm para realizar a função de um tendão que deslizava 50mm, não podemos esperar a mesma excursão. Devemos escolher tendões com “deslizamento” parecido.
5 Linha de tração direta
O tendão deve ter um caminho “reto” de sua origem até sua nova função. “Desvios” ou obstáculos aumentam o atrito e diminuem a força do tendão transferido.
6 Um tendão – uma função
Um tendão pode “reanimar” vários tendões. Contudo, devemos ter em mente que realizará uma mesma função (por exemplo extensão dos dedos) e não será possível individualizar suas ações.
7 Sinergismo
Ao se transferir os tendões, eles devem ter funções sinérgicas. Por exemplo, os extensores do punho realizam movimentos sinérgicos com os flexores, e não com os extensores dos dedos. Claro que, pela capacidade de plasticidade cerebral, há chance de transferências não sinérgicas funcionarem, principalmente em crianças.
8 Doador “dispensável”
Obviamente, não podemos causar um dano maior ou igual ao que temos ao retirarmos a função do tendão a ser transferido.
A seguir, darei alguns exemplos de transferências tendíneas comuns, para lesões diversas:
Uma das transferências que mais realizei foi a do extensor próprio do dedo indicador (EPI) para suprir a função do extensor longo do polegar (ELP) rompido. O extensor longo do polegar pode se romper pelo atrito do tendão em um fragmento ósseo no dorso do rádio, principalmente em fraturas tratadas no gesso, mas, também, em parafusos das placas volares que ficam compridos/ proeminentes na região dorsal. O principal déficit após a cirurgia, é a perda da capacidade de estender (esticar) o dedo indicador, independente dos demais.
Há algumas combinações de transferências desenhadas para suprir a função do nervo radial (que extende o punho e os dedos). São estudadas desde meados do século XX e diversos autores têm preferido realizar neurotizações (quando possível) para melhora da função de extensão, preservando certa individualização dos movimentos.
Quando há necessidade de ganhar extensão do punho, a transferência do pronador redondo para o extensor radial curto ou longo do carpo é uma boa alternativa, apesar da grande perda de capacidade de deslizamento (excursão). Para extensão dos dedos, está indicado utilizar o extensor ulnar ou radial do carpo, a depender do paciente e suas funções. E a transferência do palmar longo, com redirecionamento do extensor longo do polegar (ELP) me agrada bastante.
Quando há uma sequela de acidente vascular encefálico, ou em pacientes com sequela de paralisia cerebral, a transferência de “Green”: flexor ulnar do carpo para extensor radial curto do carpo é a transferência mais clássica.
Na região do ombro, podemos transferir o grande dorsal para melhorar elevação e rotação lateral do ombro. As descrições de transferências do trapézio para melhora da amplitude de movimento da região proximal do úmero são cada vez mais utilizadas.
Nas mãos, quando perdemos a musculatura tenar por trauma direto, ou a inervação devido à lesão do nervo mediano, ou mesmo por uma síndrome do túnel do carpo gravíssima e prolongada, podemos utilizar algumas opções para recuperar a oposição do polegar, como o extensor próprio do dedo indicador ou o abdutor do dedo mínimo.
A transferência do flexor superficial do dedo anelar ou médio para substituir o flexor longo do polegar é uma boa opção, quando não conseguimos reparar este tendão ou o enxerto não é possível por degeneração muscular.
Enfim, há uma enormidade de transferências tendíneas que podemos realizar. Devemos estar sempre atentos aos 8 princípios apresentados para obtermos a melhor função possível após a cirurgia. A maioria dos procedimentos precisa de imobilização pós-operatória e de reabilitação por tempo prolongado. Mas, o esforço é recompensado! Eu sou o Dr. Diego Falcochio, ortopedista de mão e microcirurgião. Entre em contato e agende a sua consulta!