A pseudartrose do escafoide é a complicação mais comum e temida para as fraturas deste osso. Identificamos como pseudartrose uma fratura que não consolida após 6 meses do trauma que a ocasionou.

Infelizmente, muitos pacientes não procuram atendimento após a fratura do escafóide, e ainda acontece de o paciente procurar atendimento, não se observar fratura na radiografia inicial e o médico não se atentar para a possibilidade de fratura oculta deste osso. 

O escafóide faz parte da primeira fileira dos ossos do carpo. Tem mobilidade nos planos coronal, sagital e axial, sendo de extrema importância para a biomecânica do punho. (Figura 1).

Mais de 70% da superfície do escafóide é coberta por cartilagem e está imersa com líquido sinovial. Sua vascularização retrógrada também favorece a não consolidação, principalmente do pólo proximal (mais próximo à fossa do escafoide no rádio). (Figura 2).

Figura 2: Vascularização do escafóide. Proveniente da artéria radial, acontece na região palmar, no tubérculo do escafóide e região dorsal, de distal para proximal.

 

Caso não seja tratada, a história natural da doença prediz que a pseudartrose do escafóide evoluirá para colapso do carpo e degeneração articular. 

Em um estudo que acompanhou por 30 anos pacientes com fraturas do escafóide, 10% deles evoluíram para pseudartrose, destes 56% evoluiu para artrose com dor e perda de força, enquanto apenas 2% dos pacientes com fratura consolidada tiveram artrose. 

Para se evitar este trágico fim, o objetivo do tratamento das fraturas e pseudartroses do escafóide e se obter consolidação óssea com restauração da anatomia. 

Para tanto, realiza-se exames de imagem para se identificar: local da pseudartrose, presença de osteonecrose avascular, deformidade em corcova de camelo (humpback), perda óssea, colapso do carpo e artrose pós-traumática. Radiografias, tomografia computadorizada e ressonância magnética são os métodos de imagem de escolha.

O principal livro texto de Cirurgia da Mão (Green’s Operative Hand Surgery) lista 9 perguntas para as quais devemos obter respostas nos exames de imagem. Acrescento mais uma pergunta sobre exame físico, por achar fundamental na escolha do tratamento:

Figura 3

 

1) Onde é a pseudartrose (pólo proximal ou colo?)

2) Há desvio?

3) Há deformidade em corcova de camelo?

4) Há cominuição, formação de cisto ou cavitação?

5) Há DISI? (Instabilidade intercalada segmentar dorsal)?

6) Há cirurgia prévia?

7) O pólo proximal parece avascular?

8) Há artrose do carpo (SNAC)? Qual o grau? (Figura 3)

9) O escafóide está deformado? É salvável?

10) Como está a amplitude de movimento do punho? Como ficará após a cirurgia?

 

Há alguns fatores que indicam uma chance menor de consolidação da pseudartrose após a cirurgia, os principais são:

  • tempo decorrido de pseudartrose;
  • presença de pseudartrose franca, esclerose das bordas e líquido sinovial;
  • necrose avascular do pólo proximal;
  • tabagismo;
  • idade do paciente.

A chance de sucesso geral para o tratamento cirúrgico da pseudartrose do escafóide é de cerca de 80-85%. Há uma infinidade de procedimentos cirúrgicos diferentes para esta lesão. A fim de maximizar as taxas de sucesso, deve-se escolher o melhor procedimento para cada tipo de não união, levando em conta as particularidades de cada paciente. 

O cirurgião da mão deve ter bom espectro de possibilidades dentro do seu arsenal terapêutico. A seguir, vou listar alguns procedimentos possíveis:

Fixação percutânea (Figura 4)

Figura 4 – Fixação percutânea

Ao redor de 3 meses da fratura do escafoide, a pseudartrose ainda não está estabelecida. Para fraturas com mínima perda óssea, sem deformidade, sem necrose avascular, sem colapso do carpo, está indicada a fixação percutânea ou com mini via com boas taxas de consolidação. Idealmente, o cirurgião deve ter a opção de realizar a fixação anterógrada para fraturas mais proximais e retrógrada para mais distais. 

 Fixação aberta com enxerto ósseo autólogo

Quando a pseudartrose está estabelecida, é necessário cruentizar o foco da pseudartrose até se encontrar osso com bom aspecto, colocar enxerto ósseo autólogo (que tem propriedades de osteo-indução, osteo-condução e osteogênica).

O formato do enxerto dependerá de como ele deve se adaptar à ausência de consolidação. Se houver deformidade em corcova ou DISI, está indicado enxerto em forma de triângulo ou trapézio para correção de deformidade, ou fixação com placa e parafuso com enxerto esponjoso. (Figura 5)

Figura 5 – fixação com placa e parafuso com enxerto esponjoso

Se não há deformidade, pode-se optar por enxerto no local da psedartrose (esponjoso) ou enxerto córtico-esponjoso ao longo do eixo do osso. 

Tratamento via artroscopia

Tem ganhado popularidade o tratamento via artroscopia, com colocação de enxerto e fixação. A vantagem é a menor agressão cirúrgica à articulação, vascularização local e cápsula articular (com seus mecanoceptores). Disto resultariam melhores taxas de consolidação e melhor mobilidade pós-operatória. Ainda não há, contudo, dados na literatura que comprovem estes benefícios, mas a tentativa, em casos selecionados, é válida. 

 Utilização de enxerto vascularizado

Figura 6 – Mathoulin

Pode-se utilizar enxerto vascularizado volar (o mais famoso destes é o de Mathoulin-(Figura 6)), dorsal (Zaidenberg) e microcirúrgico (côndilo lateral femoral, que pode ser levado junto com fragmento articular). 

Um bom Cirurgião da da Mão deve ter todas estas opções no seu portfólio. 

A teoria por trás da utilização de osso com sua vascularização é a de revascularizar fragmentos com osteonecrose.

Ao final do tratamento, o objetivo do médico é que aconteça a consolidação da pseudartrose, com a menor perda de mobilidade e força possíveis. 

Caso não se obtenha a consolidação, pode-se realizar novo procedimento com objetivo curativo ou cirurgias de “salvação”. Estas últimas são artrodeses parciais e totais do punho, ressecção da fileira proximal do carpo e têm como objetivo tirar a dor e/ou postergar a evolução da artrose.